domingo, 1 de maio de 2011

É fácil culpá-los

Algumas vezes nos deparamos com a reportagem das exceções. Um cara ou garota humilde que enfrenta todas as dificuldades para ir à escola e se forma em medicina, por exemplo. Aparece no “Fantástico”, “Globo repórter”, “Jornal Nacional” e as pessoas dizem: “Tá vendo? Quem quer, consegue”. Não discordo de forma alguma e acho que alguém que enfrenta todo o abandono do Estado e mesmo assim consegue vencer é super digno de respeito e admiração, mas eles fazem parte das exceções desse país.
É fácil dizer que os outros, os que não se formam ou até mesmo os que não vão à escola são vagabundos e não o fazem porque não quer. É fácil dizer que “vagabundo” tem que morrer mesmo. Quem não fica indignado com tanta violência derivada das periferias das cidades? E quando perdemos um ente querido, então... Queremos matar. Pena de morte!
É fácil querer que todos sejam exceções em um lugar onde nenhuma oportunidade é oferecida. Nenhuma mesmo.  
Imagine que você tenha nascido em uma favela de Itabuna, “Favela do bode” e seus pais tenham mais uns  5 ou 6 filhos e que nenhum deles tenham instrução nenhuma. Vivem em um barraco. Quando chove tudo molha, tudo vira lama, tudo (nada) vai embora. Imaginem ainda que um irmão ficasse doente. Leptospirose. E que não bairro o posto de saúde esteja fechado por falta de água, então sua mãe leva seu irmão a um posto de outro bairro. Não poderá ser atendido porque não é cadastrado lá. Vais ao hospital de base e morre. Sim. Morre.  O hospital de base está há anos abandonado pelo descaso, falta energia, água e não há material, além do não pagamento os funcionários.
Você cresce cercado de miséria. Seus pais, usuários de drogas são assassinados. Você cresce não tendo NADA. E a TV dizendo que você deve ter TUDO. Tenha um tênis da Nike, uma camisa da billabong, um boné kick silver. Então você desce o morro e assalta para ter essas coisas.  Quais as opções seguintes?

Lutar contra tudo isso. Estudar, trabalhar e ser alguém? Mudar a história da sua vida? Sim, muito lindo e nobre. Mas não é bem assim. Você não é a exceção, você é parte do todo. O todo do descaso, o todo culpado, o todo tachado a uma condição de não humano. O todo que é bem mais fácil culpar.

“Não foi ser alguém porque não quis, preferiu usar drogas, roubar, matar...”
“É um vagabundo! Tem que morrer!”
“Menos um marginal. A polícia tem que matar mesmo”

Você, você mesmo, pode até não ter muito, mas se teve um pouco mais do que ele (esse personagem), já é tanto que você nem imagina.
E sabe de quem é a culpa? Nossa.
Somos culpados por não ter educação, por não saber votar e principalmente por julgar.
Não é uma história fictícia. É a história que se repete com milhões de pessoas em todo país, mas é tão mais fácil culpar do que olhar realmente para a raiz do problema, não é mesmo?

3 comentários:

  1. Esse é o cerne da questão no que tange a políticas de desenvolvimento do país, sendo as principais delas as que dizem respeito à educação e segurança pública. São duas as correntes de abordagem do tema: uma, a mais retrógrada, que responsabiliza o indivíduo e somente ele por tudo o que ocorre em sua vida; a outra, a mais moderna e evoluída, que dilui essa responsabilidade entre o indivíduo e o meio em que ele vive, com a importância do meio sendo maior do que a da pessoa.
    Sabe por que as pessoas preferem culpar o indivíduo ao invés de contextualizar o problema, inserindo essa pessoa no meio e analisando a questão a partir desse ponto de vista Tamy? Porque, assim, as pessoas se excluem da sua parcela de responsabilidade sobre o fato daquele indivíduo não ter podido estudar, por não estar trabalhando, por aquele indivíduo ser um marginal, sim, um marginal, por estar à margem do sistema.
    “Liberdade sem oportunidades é um presente diabólico, e a negação dessas oportunidades, um crime”. (Noam Chomsky)
    A partir do momento em que se dá “liberdade” para os indivíduos e não se faz a mesma coisa em relação às oportunidades, sejam elas educacionais, políticas, culturais ou sociais, estes se encontram em uma situação em que se sentem no direito de requerer junto à sociedade o que lhes é de direito, não importando o modo como isso será feito.
    É para conter essas pessoas que hoje temos em andamento no país uma grande política de encarceramento dos pobres. Chomsky diz, em relação aos pobres que, “se não puderem ser confinados nas favelas, terão de ser controlados de um outro modo qualquer.” A cadeia é esse modo. O sociólogo francês Loïc Wacquant aborda muito essa questão em seus livros (aliás, te indico “As Prisões da Miséria” e “Punir os Pobres”). Ele chama os nossos presídios de “campos de concentração para pobres”, verdadeiras “empresas públicas de depósito industrial dos dejetos sociais”. Local onde os indesejados pelo mercado, os não-consumidores, os excluídos do sistema e pelo sistema, são confinados.
    O sistema desvirtua o todo. Ele pega exceções e as utiliza como um falso exemplo de que é possível alcançar o que se quer pelos meios “corretos”, que isso só depende da vontade do indivíduo. Isso é feito para que o statuos quo seja mantido. Ou seja “não precisamos fazer nada, tudo depende da vontade das pessoas”.

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  2. Por isso se fala tanto em políticas de “tolerância zero”. Segundo esta teoria, o comportamento do indivíduo suplanta a força do contexto social em que ele vive. Portanto, os pobres são pobres por incompetência social e imperícia moral. Essa teoria tira do Estado a responsabilidade pela miséria e pela pobreza das populações, e coloca essa responsabilidade nas costas das pessoas. Desse modo, portanto, o Estado não tem razões para promover políticas de inclusão social, na medida em que ele não é o culpado por as pessoas viverem na pobreza e na miséria.
    As políticas de “caça” e prisão dos miseráveis, na imensa maioria dos casos, visam principalmente objetivos políticos e eleitorais. Os presos não votam e as camadas mais altas da sociedade exigem que se acabe urgentemente com a “violência urbana” realizada pelos delinqüentes e vagabundos, quase todos eles muito pobres. A segurança pública hoje é o principal pilar das campanhas eleitorais. Atacar e combater a criminalidade são prioridades dos candidatos e dos governantes eleitos.
    “Prender os pobres apresenta na verdade a imensa vantagem de ser mais “visível” pelo eleitorado: os resultados da operação são tangíveis e facilmente mensuráveis (tantos prisioneiros a mais); seus custos são pouco conhecidos e nunca submetidos a debate público, quando não são simplesmente apresentados como ganhos pelo fato de “reduzirem” o custo do crime.” (WACQUANT)

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  3. Enfim, concordo com tudo o que falaste. O Brasil é um país em que a maioria de excluídos é cada dia mais fustigada pela minoria de incluídos. É claro, porém, que hoje essa maioria de excluídos é menor do que há 10 anos. É menor, entretanto, continua sendo muito grande. E é muito fácil, de dentro do seu carro, com os vidros fechados e o ar-condicionado ligado e todo o conforto possível, pedir que o governo tire os jovens que estão nas esquinas pedindo esmolas. Eles pedem isso, não porque querem que aquelas pessoas possam ter o mesmo que eles têm, mas sim para que não cruzem mais o seu caminho.

    Bela análise Tamires. Eu já te disse que tens vocação pra jornalista? ... É, acho que disse sim. Mas não custa nada reforçar.

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